Há alguns anos, surgiu no cenário gospel uma música que dizia: “In the secret, in the quiet place… in the stillness you are there…” (algo tipo: “No lugar secreto, no lugar silencioso… na tranquilidade Tu estás…”). A música foi traduzida e cantada em milhões de cultos ao redor do Brasil (Eu te busco, te procuro, ó, Deus… no silêncio Tu estás). Na tradução, essa primeira frase acabou sendo modificada. Até curti e toquei bastante essa música, mas como todo sucesso do mercado gospel que acha seu espaço nas nossas igrejas, logo veio um novo sucesso que tomou o seu lugar e essa foi descartada. Mas tinha sempre uma coisa que eu achava cômico, no mínimo. Era justamente a frase “no silêncio Tu estás…”.
A música afirma que Deus está no silêncio. No refrão, logo depois, ela diz “quero ouvir tua voz…”. Ok, isso seria coerente, não fosse um pequeno detalhe. Quando o verso acaba, a música cresce e explode no refrão, um pop rock BEM acelerado. Não foram poucas vezes em que estive num período de louvor em que bem antes de entrar o refrão, o dirigente gritava umas cinco frases em cinco segundos do tipo: “Agora-levante-e-cante-bem-alto-para-o-Senhor-com-toda-a sua-força-e-tire-o-pé-do-chão-Aleluiaaaaaaaaaa!!!!!”
Mas… não era no silêncio que Ele estava?
Nessa hora eu estou no canto de pé agarrando o encosto da cadeira ou banco da frente. Geralmente fico bem tenso nesse tipo de ambiente. O volume é alto e eu não gosto. Depois de um tempo já tem gente olhando esquisito para mim como se eu fosse um E.T.. Aí, para piorar, o dirigente manda algo do tipo: “Você aí que está parado, calado e triste, não deixe esse sentimento tomar conta do seu coração e lhe roubar a chance de louvar! Então pule e seja feliz!”
Bem… a essa altura do campeonato, não preciso me preocupar com isso, pois o dirigente bem intencionado já me roubou tanto a liberdade de ficar quieto quanto a chance de louvar de maneira mais modesta. Abaixo a cabeça e fecho os olhos para não ter que encarar ninguém até que a música finalmente pare.
Basicamente, somos orientados e praticamente obrigados a exercer a nossa liberdade de louvor. É uma expressão de liberdade tirânica, pois ela não permite uma outra expressão, senão aquela, somente. Ironicamente, criamos toda uma categoria de músicas mais calmas a serem cantadas em dia de ceia, afinal, a ceia é um momento mais sério, né?
Não quero, com esse texto, dizer que o louvor mais exaltado e animado seja pecaminoso. Nada disso. Como baterista, conheço bem as dinâmicas de um período de louvor e sei que há momentos em que há uma genuína expressão de alegria por parte do povo que deve ser acompanhada de uma música mais alegre e festiva. Tente imaginar um culto de domingo de páscoa que não seja carregado de alegria. Eu pelo menos não consigo fazê-lo. Há quem prefira um culto extremamente formal. Se você assim o preferir, então glória a Deus!
O que me entristece em relação à histeria coletiva cultivada nos cultos (particularmente os de jovens) é a demonização do silêncio e da solitude, como se esses fossem um sinal de afronta a Deus. Muito pelo contrário, o silêncio, a contrição e a solitude talvez sejam o meio em que mais nos aproximemos de Deus. No livro A grande omissão, Dallas Willard diz o seguinte, justamente num capítulo chamado “Convite à solitude e ao silêncio”:
Ou seja, o que Willard está dizendo é que somente quando nos aquietamos perante Deus é que nos aproximamos dele e nos permitimos ouvi-lo, de fato. Inversamente, ao cultivarmos barulho e hiperatividade, estamos sabotando a nossa percepção de Deus. Fazemos tanto barulho que nem Deus consegue mais falar com a gente.
Na Bíblia, temos inúmeros exemplos disso. Para citar apenas um deles, lembre-se do que Jesus fazia nos momentos mais tensos do seu ministério. Ele se retirava, se aquietava. Ele saía de perto da multidão para poder se silenciar e ouvir melhor a voz de Deus.
E nós não fazemos isso também? Quando queremos conversar com alguém e tem música tocando ou televisão ligada, não abaixamos o volume do rádio ou desligamos a TV para dar mais atenção a ela? Então por que que seria diferente com Deus?
Expressões de alegria, um derramamento de sentimentos do nosso coração são errados perante Deus? De maneira alguma. Há algo de errado em se alegrar na presença do Pai? Claro que não, contanto que essa nossa alegria não atrapalhe a voz Dele. Nosso coração, porém, nos engana. Em contraposição à noção mundana de “paz interior”, não existe em nós silêncio e tranquilidade. Dentro de nós há apenas desejos pecaminosos e uma natureza carnal que milita contra Deus. Logo, eu preciso me silenciar para que Ele fale mais alto. O fato de que hoje em dia só permitido ao jovem “ser livre” enquanto ele está “fora do chão” me assusta muito. O padrão de “louvor bom” hoje em dia não só atrapalha o agir de Deus como agride qualquer um que se opõe a Ele.
Eu quero muito ser livre para adorar a Deus. Quero me ver livre do meu pecado, do barulho que habita em mim. Quero que Deus me livre do grito da carne que insiste em me levar para longe dele. Quero ser livre para me aquietar perante o Pai e dizer: “Agora é o Senhor que vai falar e eu que vou ouvir, somente.”
Andrew McAlister
Testo extraído do blog: O blog do Andrew
http://oblogdoandrew.wordpress.com/2013/11/15/a-opressao-de-ser-livre-para-adorar/
Nenhum comentário:
Postar um comentário