“De sorte que, meus amados, assim como sempre
obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência,
assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar, segundo a sua boa vontade.” Filipenses 2:12-13
A
salvação recebida (2.12)
A salvação não é uma conquista do
homem, mas um presente de Deus. Ela é nossa, não por direito de conquista,
mas por dádiva imerecida. A
salvação não é um prêmio pelas nossas obras, mas um troféu da graça de Deus. Há
duas verdades que merecem ser destacadas aqui:
Em primeiro lugar, a salvação é um
presente de Deus a nós, e não uma conquista nossa (2.12). Quando o apóstolo Paulo diz: “... desenvolvei
a vossa
salvação...”
(Fp 2.12; grifo
do
autor), ele não está afirmando que ela nos pertence por direito de conquista. Ela é
nossa porque nos foi dada. Ela é nossa
porque alguém a comprou por um alto preço e deu gratuitamente. A nossa
salvação foi comprada por um alto
preço. Ela não foi comprada por prata ou ouro, mas pelo precioso sangue de
Cristo (IPe 1.18,19).
Em segundo lugar, a salvação
verdadeiramente nos pertence (2.12).
Muitos cristãos, por não estarem arraigados nas doutrinas da graça,
ficam inseguros acerca desse ponto, pensando
que a salvação nos é dada num momento e tomada em outro; que podemos estar
salvos num dia e perdidos no outro.
Isso é absolutamente impossível. A salvação é um presente que nos foi dado
para sempre (Rm 8.1). Uma vez salvo,
salvo para sempre (Rm 8.31-39). Uma vez membro da família de Deus, jamais
seremos deserdados (Rm 8.17). Uma
vez ovelha de Cristo, jamais alguém poderá nos arrancar da mão de Cristo
(Jo 10.28).
Paulo
diz: “... desenvolvei a vossa salvação...”
(Fp 2.12;
grifo
do autor). O estudioso da língua grega H. C. G. Moule diz que a palavra
“vossa” é fortemente enfática.
A
salvação desenvolvida (2.12,13)
Destacamos aqui cinco pontos:
Em primeiro lugar, a soberania de Deus
não anula a responsabilidade humana (2.12).
Há dois equívocos muito comuns
acerca da salvação: o primeiro deles é pensar que a salvação é o resultado do
esforço humano. A maioria das religiões prega que o homem abre o seu próprio
caminho rumo a Deus. Por conseguinte, a salvação é o resultado de mero esforço
humano.
O segundo equívoco é pensar que a
salvação é uma parceria do homem com Deus. O sinergismo prega que a salvação é
resultado da obra de Deus conjugada com a cooperação humana. O versículo 12 não
diz: “trabalhai para a vossa salvação”, mas “desenvolvei a vossa salvação”.
Ninguém pode desenvolver a sua salvação a não ser que Deus já tenha trabalhado
nele.
A verdade bíblica insofismável é que a
salvação é obra exclusiva de Deus. Contudo, o fato de Deus nos dar
graciosamente a salvação, não significa que ficamos passivos nesse processo. A
salvação é de Deus e nos é dada por Deus, mas precisamos desenvolvê-la.
Corretamente Robertson afirma que a graça de Deus não é uma desculpa para não
fazermos nada. Antes, ela é uma forte razão para fazermos tudo. Tanto na
religião quanto na natureza, somos cooperadores de Deus (IC o 3.6-9). Nós
plantamos e regamos, mas Deus dá-nos a semente, o solo, envia o sol e a chuva e
faz a semente crescer e frutificar.
William Hendriksen interpreta
corretamente quando diz que a palavra “desenvolvei” traz a ideia de um esforço
contínuo, vigoroso, estrénuo: “Continuem a desenvolver”. Embora, salvos de uma
vez por todas quando cremos em Jesus, os crentes não são salvos de um só golpe
(por assim dizer). Sua salvação é um processo (Lc 13.23; At 2.47; 2Co 2.15). É
um processo no sentido em que eles mesmos, longe de permanecerem passivos ou
inativos, tomam parte ativa. E um prosseguir, um seguir após, um avançar com determinação,
uma contenda, uma luta, uma corrida (Rm 14.18; ICo 9.24-27; lT m 6.12).
Warren Wiersb ainda nos ajuda na
compreensão desse verbo “desenvolvei”. Ele diz que esse verbo tem o sentido de
“trabalhar até a consumação”, como quem trabalha em um problema de matemática
até chegar ao resultado final. No tempo de Paulo, esse termo também se referia
a “trabalhar em uma mina” extraindo dela o máximo possível de minério valioso,
ou “trabalhar em um campo” obtendo a melhor colheita possível. O propósito que
Deus deseja que alcancemos é a semelhança com Cristo (Rm 8.29).
Recebemos de graça essa gloriosa
propriedade; mas, agora, precisamos cultivá-la. Não a cultivamos para
possuí-la, mas porque a possuímos. E F Bruce está correto quando diz que, neste
contexto, Paulo não está exortando cada membro da igreja a empenhar-se na obra
de sua salvação pessoal; Paulo está pensando na saúde e no bem-estar geral da
igreja como um todo. Cada crente e todos os crentes, num corpo só, precisam
prestar atenção a esse fato.
Em segundo lugar, a posse e o
desenvolvimento da salvação produzem reverência, e não relaxamento (2.12). Quando Paulo fala
em “temor e tremor”, não está falando de temor servil. Esse não é o temor de um escravo se
arrastando aos pés do seu senhor. Não é o temor ante a perspectiva do castigo.
Deus não é um policial ou guarda cósmico diante de quem devemos ter medo; nem,
também, é um pai bonachão e complacente; ao contrário, Ele é majestoso, santo e
misericordioso. Nosso grande temor deve ser em ofendê-lo e desagradá-Lo, depois
de Ele ter nos amado a ponto de nos dar seu Filho para morrer em nosso lugar.
Nessa mesma linha de pensamento, F. F.
Bruce escreve:
E
evidente que a atitude recomendada pelo apóstolo aqui nada tem a ver com o
terror servil; o apóstolo tranquiliza os crentes de Roma, dizendo: “[...] não
recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor” (Rm
8.15). Trata-se, antes, de uma atitude de reverência e profundo respeito, na
presença de Deus, de extrema sensibilidade à Sua vontade, de consciência de
nossa responsabilidade à vista de havermos de prestar contas perante o tribunal
de Cristo.
Lightfoot diz que esse temor é uma
espécie de ansiedade para fazer o que é certo. Robertson corretamente afirma
que as pessoas hoje não tremem na presença de Deus e têm um fraco senso de
temor. O grande sermão do evangelista Jonathan Edwards “Pecadores nas mãos de
um Deus irado” não encontraria eco nos dias de hoje. Vivemos numa geração
extremamente complacente. Ficaram para trás os dias em que os Puritanos falavam
em agonia de arrependimento. As pessoas que mais tiveram intimidade com Deus
foram as que mais se prostraram reverentes aos Seus pés. Os que tiveram uma visão
da Sua glória foram aqueles que caíram prostrados no chão em reverente
adoração. Hoje, muitos demonstram intimidade com Deus em palavras, mas uma
imensa distância Dele na vida.
Em terceiro lugar, o desejo pela
salvação é obra de Deus em nós (2.13).
O apóstolo Paulo esclarece: “Porque Deus é
quem efetua em vós tanto o querer como o realizar...”. Ralph Martin diz que não
ficamos entregues a nós mesmos, nesta
tarefa, pois Deus é quem efetua em nós tanto o querer quanto o realizar.
William Barclay diz que Deus é quem
desperta o desejo Dele em nossos corações. E verdade que “nossos corações estão
inquietos até que descansam Nele” e também que “nem sequer podemos começar a
buscá-Lo a não ser que Ele já nos tenha encontrado”. O começo do processo da
salvação não depende de nenhum desejo humano; só Deus é quem pode despertá-lo.
F. F. Bruce corretamente afirma que o
Espírito realiza o que a lei não consegue realizar: a lei poderia dizer às
pessoas o que deveriam fazer, mas não podia suprir-lhes o poder, nem mesmo a
vontade de fazê-lo; o Espírito supre ambas as coisas (Rm 8.3,4; 2Co 3.4-6). Por
intermédio do Espírito Santo, Deus “energiza” e “capacita” o Seu povo para as
tarefas que Ele deseja que ele faça (IC o 12.4-7). Deus dá o desejo e a
habilidade. Deus trabalha nos crentes e os crentes trabalham para Deus. Os
crentes se tornam cooperadores de Deus.
Não há nenhum desejo em nós por Deus e
pela Sua obra que não proceda do próprio Deus. Mesmo quando estamos
desenvolvendo a nossa salvação, temos consciência de que é Deus quem está
operando em nós mediante o Seu Espírito. Em última instância, não somos nós
quem trabalhamos, mas Deus trabalha em nós e por nosso intermédio. O trabalho
de Deus começa com a nossa vontade, e a vontade precede a ação. A parte da obra
de Deus em nosso coração, jamais teremos a vontade livre quando se trata de
realidades espirituais. Na verdade, não temos vontade livre em nenhuma coisa
que envolva nossa capacidade física, intelectual e espiritual. Não temos
capacidade de decidir por nós mesmos ter 50% a mais de quociente de
inteligência. Não temos capacidade de decidir ter um centímetro a mais em nosso
tamanho. De igual modo, não temos capacidade de escolher Deus. Somente Adão
antes da Queda teve livre-arbítrio.
Somos como um homem à beira de um profundo abismo. Enquanto estivermos à beira
do abismo, temos livre vontade. Entretanto, se cairmos nele, não teremos
condições de, por nosso próprio esforço, sairmos de lá. Desde a queda de Adão,
todos nós nascemos com a total incapacidade de escolhermos a Deus. Ninguém
jamais pode desejar a Deus sem que primeiro Deus predisponha a Sua vontade.
Ninguém pode fazer a vontade de Deus a não ser que o próprio Deus venha e o
tire do abismo e lhe diga: “Este é o caminho, andai por ele”.
Werner de Boor apresenta essa. sublime
verdade de forma esclarecedora, como segue:
Realmente,
nenhum de nós poderá ter no coração o menor anseio por salvação se Deus não nos
despertar previamente da condição de “mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1) e
nos atrair para a salvação. A cada um, porém, em quem Deus realizou isso,
cumpre dizer agora com máxima seriedade: não brinque com essa salvação, siga-a
realmente, não deixe escapar essa hora da graça, justamente porque ela não é
apenas o seu próprio “estjdo de ânimo”, a sua própria ‘ideia”, mas a atuação
decididamente divina em seu coração. O querer gerado por Deus - que
responsabilidade isso traz para nós! Realmente só podemos aproveitar esse
querer “com temor e tremor, em sagrada seriedade”!
Em quarto lugar, a continuação do
processo da salvação também é obra de Deus em nós (2.13). William Barclay diz que a continuação desse
processo depende de Deus sem
a Sua ajuda, não se pode fazer nenhum progresso no bem; sem a Sua ajuda,
nenhum pecado pode ser vencido Somente
por meio da ação de Deus em nós, podemos superar
o mal e praticar o bem. A verdadeira vida cristã não pode permanecer no
mesmo lugar; deve estar em contínuo
progresso.
O apóstolo Paulo diz que Deus é quem
efetua em nós tanto o querer como o realizar (Fp
2.13). Não apenas o desejo, mas também toda obra realizada em nós é ação
divina. A palavra grega usada por Paulo aqui é energein. William Barclay diz que
sobre esse verbo precisamos observar duas coisas importantes: sempre é usado
com respeito à ação de Deus; e sempre é aplicado a uma ação eficaz. Todo o
processo da salvação é uma ação de Deus, e essa ação é eficaz porque é a Sua
ação. A ação de Deus não pode ser frustrada nem ficar inconclusa; deve ser
plenamente concluída.
William Hendriksen diz que, se não
fosse o fato de Deus estar agindo em nós, jamais poderíamos desenvolver a nossa
salvação. Ele ilustra essa verdade assim:
O
ferro elétrico é inútil a menos que seu plugue esteja acoplado à tomada. À
noite não haverá luz na sala a menos que a eletricidade flua pelos fios de
tungsténio para dentro da lâmpada, cada filamento mantendo contato com os cabos
que vêm da fonte de energia. As rosas do jardim não podem alegrar o coração
humano com a sua beleza e fragrância a menos que extraiam sua virtude dos raios
solares. Melhor ainda: “Como pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não
permanecer na videira; assim, nem vós podeis dar, se não permanecerdes em mim”
(Jo 15.4). Assim também os filipenses só poderão operar sua própria salvação
permanecendo num vivo e ativo contato com seu Deus.
Em quinto lugar, a obra da salvação é
resultado da vontade de Deus (2.13).
A salvação é realizada por Deus em nós não contra a Sua vontade, mas em
consonância com ela. A
nossa
salvação é o resultado da expressa vontade soberana de Deus. Tudo provém de
Deus. Nossa salvação tem início e consumação
na boa, perfeita e agradável vontade de Deus.
Então meus irmãos, desenvolvam a vossa
salvação.
Hernandes Dias Lopes (Editado por
Hamiltom Freire).
*Santificação* é que eu entendo por "desenvolver a Salvação".
ResponderExcluir