“A glória desta
última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e,
neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 2.9).
É com
frequência que igrejas locais mudam de endereço, a fim de proporcionar
melhorias aos seus membros, bem como em busca de maiores espaços, a fim de
acomodar um maior número de pessoas. É frequente, também, que para promover
esta busca e conferir uma grande importância a um espaço cúltico maior, muitos
acabam usando a passagem de Ageu 2.9. A lógica é a seguinte: O primeiro
“templo” comportava apenas 150 pessoas. Já este segundo possui a capacidade
para 500 pessoas. Com isso, de acordo com eles, cumpre-se a Palavra do Senhor
em Ageu, pois a glória da “segunda casa” é maior que a da primeira.
Meu
propósito neste breve comentário é analisar a passagem citada em seu contexto,
a fim de obter uma conclusão a respeito da maneira como a mesma é aplicada por
aqueles que entendem que ela diz respeito a locais de culto cada vez maiores.
O Livro de
Ageu
Ageu é
conhecido como um dos profetas da restauração, o que significa que sua atuação
profética se deu quando os judeus já haviam retornado à Terra Prometida. O livro
tem início com a contextualização histórica: “No segundo ano do rei
Dario” (1.1), ou seja, por volta de 520 a.C. Juntamente com Zacarias,
Ageu profetizou durante o reinício da reconstrução do Templo, exatamente no ano
520 a.C. De acordo com O. Palmer Robertson, Ageu foi “a primeira voz profética
a falar desde o tempo da restauração da nação”.
O primeiro
tema a receber destaque na profecia de Ageu é o da reconstrução da “Casa do
SENHOR”:
Assim fala o SENHOR dos Exércitos:
Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em que a Casa do SENHOR deve ser
edificada. Veio, pois, a palavra do SENHOR, por intermédio do profeta Ageu,
dizendo: Acaso, é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta
casa permanece em ruínas? Ora, pois, assim diz o SENHOR dos Exércitos:
Considerai o vosso passado. Tendes semeado muito e recolhido pouco; comei, mas
não chega para fartar-vos; bebeis, mas não dá para saciar-vos; vesti-vos, mas
ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o para pô-lo num saquitel
furado.
Assim diz o SENHOR dos Exércitos:
Considerai o vosso passado. Subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa;
dela me agradarei e serei glorificado, diz o SENHOR. Esperastes o muito, e eis
que veio a ser pouco, e esse pouco, quando o trouxestes para casa, eu com um
assopro o dissipei. Por quê? – diz o SENHOR dos Exércitos; por causa da minha
casa, que permanece em ruínas, ao passo que cada um de vós corre por causa da
sua própria casa (Ageu 1.2-10).
O povo de
Israel estava sendo negligente em reconstruir o Templo, o lugar da habitação de
Deus no meio do seu povo. A ordem de Deus era no sentido de que o povo abandonasse
seu egoísmo e passasse a se preocupar com a casa do Senhor. A ideia passada
pelo povo com a sua atitude era a de que Deus era irrelevante. Eles não sentiam
falta do Templo, do lugar onde o Senhor era adorado, onde o sacrifício
tipológico era realizado e o perdão anunciado.
A “Segunda
Casa” Comparada com a Primeira
A partir
do versículo 12 vê-se que o povo atendeu à ordem do Senhor por intermédio do
profeta Ageu: “Então, Zorobabel, filho de Salatiel, e Josué, filho de
Jozadaque, o sumo sacerdote, e todo o resto do povo atenderam à voz do SENHOR,
seu Deus, e às palavras do profeta Ageu, as quais o SENHOR, seu Deus, o tinha
mandado dizer; e o povo temeu diante do SENHOR”. A profecia inicial de Ageu
se deu no primeiro dia do sexto mês (1.1), ao passo que a reconstrução do
templo teve início no “vigésimo quarto dia do sexto mês” (1.15).
Cerca de
um mês após o início da reconstrução (2.1), os anciãos que ainda tinham em sua
lembrança o esplendor do templo construído por Salomão, ao verem as construções
do segundo templo lamentavam a sua inferioridade estética em relação ao
primeiro. Por isso, o Senhor Deus perguntou por intermédio do profeta
Ageu: “Quem dentre vós, que tenha sobrevivido, contemplou esta casa na
sua primeira glória? E como a vedes agora? Não é ela como nada aos vossos
olhos?” (2.3). “Comparado com o anterior, o templo que eles estão
construindo terá pouco da primitiva grandeza e beleza. Parecer-lhes-á como
nada”. A comparação é feita entre a “glória” do primeiro templo e a aparente
ausência de “glória” do segundo.
É
importante recordar que o termo hebraico kabôd, traduzido como
“glória” é usado em outros profetas com uma conotação diferente desta.
Ezequiel, por exemplo, fala da kabôd para se referir à
presença do Senhor no templo: “Como o aspecto do arco que aparece na
nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da
glória do SENHOR; vendo isto, caí com o rosto em terra e ouvi a voz de quem
falava” (1.28). No capítulo 10, Ezequiel vê a kabôd do
Senhor abandonando o templo, simbolizando que Deus não mais habitaria ali, não
mais estaria presente de um modo especial e pactual: “Então, se
levantou a glória do SENHOR de sobre o querubim, indo para a entrada da casa; a
casa encheu-se da nuvem, e o átrio, da resplandecência da glória do SENHOR [...] Então,
saiu a glória do SENHOR da entrada da casa e parou sobre os querubins” (vv.
4,18). Entretanto, Ageu “não aponta inicialmente para essa glória da presença
de Yahweh. Antes, ele refere-se à beleza do templo de Salomão”.
Já no
versículo 7, o termo kabôd possui a mesma conotação da
profecia de Ezequiel. A referência é à presença do Senhor no seu templo.
Enquanto os anciãos se lembravam da beleza e esplendor do templo de Salomão,
Deus promete que o segundo templo, menor em tamanho e riquezas, possuirá uma
glória plena, pois, diz o Senhor “encherei de glória esta casa”. O
Senhor estava ensinando ao seu povo que, “a glória do templo não dependeria de
sua forma exterior. Ao contrário, a glória é vista na própria presença de Yahweh”. A
mensagem para aqueles que se encontravam chorosos e àqueles que concentram sua
atenção na estrutura física do edifício cúltico, é que a beleza e o tamanho não
influenciam ou diminuem a glória do local, mas sim a presença de Deus com o seu
povo.
A Glória
da Segunda Casa e Jesus Cristo
Deus
prometeu que a sua presença encheria aquela casa de glória: “Ainda uma
vez, dentro em pouco, farei abalar o céu, a terra, o mar e a terra seca; farei
abalar todas as nações, e as coisas preciosas de todas as nações virão, e
encherei de glória esta casa, diz o SENHOR dos Exércitos” (2.6-7). A
grande questão é se a manifestação plena da glória de Deus estaria limitada
àquele segundo templo que estava sendo construído na ocasião, ou se ela aponta
apara algo além daquela edificação. A linguagem do profeta lembra o que
aconteceu quando Davi se tornou rei de Israel. Várias nações reconheceram o seu
reinado e enviaram presentes, coisas preciosas (2Samuel 5.11). O mesmo
aconteceu com Salomão, filho de Davi (1Reis 5.8-10; 10.1-10). Não obstante, a
referência é que as nações virão agora para contemplar a glória da casa do
Senhor. Deus está falando de Cristo, que tanto era filho de Davi (Mateus 1.1)
como a habitação permanente de Deus entre o seu povo (João 1.14). O. Palmer Robertson
faz um comentário perspicaz a este respeito:
Este segundo abalo põe em destaque um
único descendente de Davi, que possuirá poderes para agir com autoridade divina
sobre todas as nações. Assim como o templo de Deus e o trono de Davi se
fundiram no Monte Sião com a vinda da Arca para Jerusalém, assim também o
profeta antecipa uma futura unificação gloriosa do culto divino e do domínio
através de um monarca Davídico restaurado.
A
interpretação de Calvino também leva em conta o elemento messiânico da
profecia:
Mas nós podemos entender o que ele
diz de Cristo, virá o desejo de todas as nações, e eu encherei esta
casa com glória. De fato, sabemos que Cristo era a expectativa de todo
o mundo, de acordo com o que foi dito por Isaías. E pode ser dito apropriadamente
que, quando o desejo de todas as nações vier, isto é, quando Cristo se
manifestar, em quem os desejos de todos convergem, então, a glória do segundo
templo será esplendorosa.
Por esta
razão é que o Senhor declara, no versículo 9: “A glória desta última
casa será maior do que a da primeira”. A glória do segundo templo não
possui nenhuma relação com o seu espaço físico ou com seus objetos de valor. A
glória do segundo templo está direta e inextricavelmente relacionada com a
vinda de Jesus Cristo. Por se tratar de um templo mais próximo da vinda do
Messias do que o que fora construído por Salomão, o segundo seria mais
glorioso. Diz o puritano Matthew Poole que, “o que Deus chama de glória deve
ser bem melhor do que prata e ouro. Maior que a da primeira, verdadeiramente
mais gloriosa, em muitos graus. O mínimo de Cristo tem glória maior que toda a
magnificência de Salomão. Não existiram mais que duas casas erigidas por
designação divina, e, na segunda, adentrou pessoalmente o Messias”.[7] Calvino
afirma ainda que, não devemos imaginar, como alguns intérpretes “brutos”, que a
glória futura do segundo templo dizia respeito às reformas empreendidas por
Herodes, visando restaurar a suntuosidade do templo. Antes, de acordo com ele,
“o que é dito aqui a respeito da glória futura do templo é aplicado à
excelência daquelas bênçãos espirituais que apareceram quando Cristo foi
revelado, e ainda continuam visíveis para nós através da fé”.
A conexão
entre a glória do segundo templo e Jesus fica mais evidente com a continuação
do versículo 9: “e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos
Exércitos”. No Antigo Testamento a promessa de paz sempre estava ligada à
vinda do Messias: “O SENHOR dá força ao seu povo, o SENHOR abençoa com
paz ao seu povo” (Salmo 29.11). O conceito veterotestamentário de paz
carrega “a noção positiva de bênçãos, especialmente a de um correto
relacionamento com Deus”. Isso fica evidente na bênção araônica, em
Números 6.24-26: “O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR faça resplandecer
o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o SENHOR sobre ti levante o rosto
e te dê a paz”.
Além
disso, as passagens proféticas do Antigo Testamento olham adiante para um
período de paz que seria inaugurado pela vinda do Messias: “Porque um
menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e
o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe
da Paz” (Isaías 9.6); “Alegra-te muito, ó filha de Sião;
exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador,
humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Destruirei os
carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será
destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se
estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às proximidades da terra” (Zacarias
9.9-10). O profeta Ezequiel anunciou que através do Messias, Deus faria uma
eterna aliança de paz com o seu povo: “Farei com eles aliança de paz;
será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu
santuário no meio deles, para sempre” (37.26). Interessantemente, a
ideia de um santuário, um templo ligado ao estabelecimento da paz também
aparece na passagem de Ezequiel.
Isto
posto, quando os discípulos estavam reunidos com Jesus no cenáculo, ouviram o
seu Mestre dizer: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou
como a dá o mundo”(João 14.27). Com toda certeza eles rememoraram as
promessas escriturísticas a respeito do estabelecimento da paz pelo Messias,
aquele que era o tabernáculo de Deus entre os homens.
É
importante observar ainda que, Apocalipse 21.22 faz uma afirmação
extraordinária a respeito da Nova Jerusalém: “Nela, não vi santuário,
porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro”. G.
K. Beale e Sean M. McDonough afirmam que, “João provavelmente entendeu estas
profecias do Antigo Testamento como sendo cumpridas no futuro por Deus e Cristo
substituindo o primeiro templo físico e a arca por sua gloriosa habitação, o
que tornará a glória do primeiro templo diminuta”.
Conclusão
A glória
do segundo templo não dizia respeito ao seu tamanho nem ao esplendor do
material usado na sua construção – até porque, em comparação com o primeiro
templo, o segundo foi capaz de despertar o choro dos anciãos que viram o que
fora construído por Salomão. A glória da segunda casa estava ligada à vinda do
Messias, de Jesus Cristo, o verdadeiro templo de Deus, o Emanuel, o Deus
conosco.
Usar a
passagem de Ageu 2.9 para recomendar um enorme espaço cúltico, com capacidade
para abrigar milhares de pessoas é cometer duplo erro. Em primeiro lugar,
comete-se o erro de torcer o sentido da passagem de acordo com o contexto do
livro do profeta Ageu. A segunda casa cuja glória seria maior era pequena e
destituída de ornamentos em comparação com a primeira. Mas muitos usam a
passagem para falar de uma segunda casa maior que a que usavam até então. Em
segundo lugar, comete-se o erro de desconsiderar Jesus Cristo, de se apegar às
sombras do Antigo Testamento em detrimento daquele que dá sentido a todo
ajuntamento solene e que enche de glória todo e qualquer lugar onde o povo de
Deus está reunido para adorá-lo em espírito e em verdade.
Soli Deo
Gloria!
Cristão Reformado
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