quarta-feira, 25 de junho de 2014

O que é ser crente?

Ser crente não é ser filho de pais evangélicos. Mesmo que alguém receba, desde a meninice, uma educação cristã, isso, por si só, não faz dele um crente genuíno. Uma pessoa assim é, no máximo, um incrédulo com bons costumes. 
Ser crente não é ser assíduo freqüentador de uma igreja evangélica. Ainda que o crente tenha por obrigação freqüentar uma igreja, nem todos os que estão sempre presentes nos cultos são verdadeiramente crentes. Na verdade, há muitas pessoas que vão à igreja apenas porque encontram ali um ambiente saudável com boas amizades; outras ainda freqüentam os cultos pensando que com isso vão conquistar a simpatia de Deus para livrá-las de algum problema. Pessoas assim, por mais amigáveis e simpáticas que sejam, não podem ser consideradas cristãs.  
Ser crente não é ser batizado. Todos os crentes devem se submeter à ordenança do batismo, mas o fato de alguém ser batizado não significa que essa pessoa é realmente cristã. Aliás, há muitas pessoas que são batizadas e que nunca entenderam e aceitaram o verdadeiro evangelho.  
Quem é, então, o crente verdadeiro? 
Crente é a pessoa que, ouvindo ou lendo o evangelho (Ef 1.13), concluiu que é um pecador perdido, separado de Deus e caminhando para a perdição eterna (Rm 3.23). Ele também descobriu no evangelho que Jesus é o Filho de Deus que veio ao mundo em forma humana para morrer no lugar do pecador (Jo 3.16; Fp 2.5-8; 1Tm 1.15; Hb 2.14; 1Jo 4.10), sendo ainda certo que ao terceiro dia ele ressuscitou (1Co 15.3-4). Finalmente, o crente é aquele que diante dessas verdades, creu em Cristo como seu único e suficiente salvador, recebendo-o em sua vida e, assim, obteve dele o perdão dos pecados, o livramento da culpa, uma nova vida e a salvação eterna (Jo 3.36; 7.38; Rm 5.1; 6.4; Ef 1.7).  
A definição acima é bem resumida. De fato, há muitas outras verdades que poderiam ser ditas acerca do crente. Algumas delas são as seguintes: 
1. O crente é alguém escolhido por Deus desde antes da fundação do mundo (Ef 1.4). 
2. O crente é alguém que não pertence mais a este mundo (Jo 15.19; 17.14-16; Gl 1.4). 
3. O crente é um filho adotivo de Deus (Rm 8.15; Gl 4.4-5; Ef 1.5). 
4. O crente é um herdeiro de Deus (Rm 8.16-17). 
5. O crente é alguém em quem o Espírito Santo habita e age (Rm 8.9-14). 
6. O crente é alguém que recebeu uma nova natureza (2Co 5.17; Gl 6.15; 2Pe 1.4). 
7. O crente é alguém guardado da total apostasia pelo poder de Deus (Jo 6.39; 10.27-30; Rm 8.38-39; 1Pe 1.5; Jd 1, 24-25). 
8. O crente é um proclamador das virtudes de Deus (1Pe 2.9).
Pr. Marcos Granconato

sábado, 7 de junho de 2014

Carta ao Osnildo - Um cristão que pensa em colocar seus pais no asilo

*A presente carta é de gênero fictício, embora contenha situações da vida real.

Querido Osnildo, graça e paz. Obrigado por me escrever na semana passada e pelos convites enviados para o churrasco - tão breve seja possível desejo estar junto com tua família! Também lhe agradeço pela forma carinhosa com que você tem tratado os irmãos da igreja, de modo que muitos têm dado bom testemunho de sua conduta.

Nesta breve carta pretendo lhe falar sobre aquele assunto que você comentou comigo, a saber, a possibilidade de colocar seus pais em um asilo. Lembro que tinhas comentado acerca de sua idade "um pouco mais avançada" (65, certo?), de ser filho único, de seus filhos já estarem criados e você não ter condições adequadas para sustentar seus pais, os quais atualmente recebem uma pequena aposentadoria do governo. Realmente é uma situação difícil. Sei de seu esforço durante estes anos com seus pais e que atualmente não vê outra solução, senão os colocar em um asilo. Me permita, porém, amado irmão, tecer algumas considerações.

Antes de mais nada, deixo registrado que não estou atacando as instituições que acolhem as pessoas de idade. Tenho grande apreço por todas que fazem um excelente trabalho, muitas delas de maneira filantrópica e que demonstram extremo carinho por aqueles que por algum motivo tiveram de ir até lá. Louvado seja o Senhor por prover um local para todos aqueles senhores e senhoras.

Mas a primeira coisa a se notar é que a Bíblia Sagrada nos coloca uma grande responsabilidade para com nossos filhos, cada qual devendo os ensinar no bom caminho do Evangelho (Dt 6.7) - isto você fez com maestria para com os teus, de maneira que pela graça do Senhor todos seguem firmes na Palavra. Por outro lado, o que foi tratado como filho, um dia será pai e precisará de cuidados, o que juntamente ocorre com seus pais. Neste sentido, a Escritura é bastante evidente: "Mas, se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus" (1Tm 5.4).

Observe que o apóstolo Paulo instrui a Timóteo para que no tocante ao cuidado com os membros da igreja, ensine a família a prestar caridade para com os seus. Naquela situação em específico, muitas viúvas estavam vivendo às custas da igreja, sendo que tinham familiares crentes, os quais não estava fazendo o devido esforço para as amparar. Note, igualmente, algo importante: "aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família". Muitas vezes somos rápidos (ou nem tanto) para ajudar o desconhecido, aquele que nunca vimos, mas quão lentos somos para exercer o amor para com nossos parentes próximos - tudo isso sob inúmeros argumentos, alguns válidos, outros não.

Existe, outrossim, um ponto salutar: "se alguma viúva tiver filhos, ou netos". Seus pais têm somente a você como filho, mas eles também possuem netos - não me falha a memória você possui dois filhos, certo? Isso se traduz em que, segundo a Escritura, não somente você pode e deve os amparar, e sim também seus filhos, a fim de que os primeiros pais possam ter os provimentos necessários. É bem verdade que não mais vivemos naquela sociedade com muitos filhos (o que possui consequências sérias para a humanidade, pois mais filhos podem ajudar melhor os pais, por exemplo), todavia, o dever bíblico permanece independente disso.

Neste momento, recordemos do dito de Tiago: "A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo" (Tg 1.27 - grifado). Imagino que o irmão possa pensar que iria visitar seus pais no asilo, mas a pergunta é: isto seria o mesmo que cuidar de seus pais, ou seja, "exercer piedade para com a sua própria família"? Imagino, também, que o amado raciocine que é melhor deixar os pais em um asilo, do que não ter condições de os cuidar - o problema, entretanto, é que se o irmão não possui condições de lhes sustentar, terá de procurar um asilo público (que será difícil encontrar e achar uma vaga) e deixará seus pais aos cuidados de pessoas que não lhes levarão da Palavra de Deus diariamente, bem como "sabe-se lá nosso Deus" como deles cuidarão.

Dois versículos muito preciosos podem lhe ajudar a refletir: "Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós" (Mt 7.1-2). Ao contrário do que muitos pregadores dizem, este texto se encontra em conjunto com a repreensão ao julgamento desmedido para com o próximo - o típico farisaísmo combatido por Jesus. Aqui, somos instados a julgarmos de maneira equilibrada, "Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados". Isto significa dizer que se o irmão pensar ferranhamente desta forma (colocar seus pais no asilo) e não se propuser a achar uma forma melhor, sendo intransigente, não poderá reclamar se fizerem o mesmo com você e com sua esposa.

Um pouco adiante no capítulo de Mateus, lemos: "Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas" (Mt 7.12). Neste instante, deixo a pergunta ao irmão: você gostaria de que seus filhos o colocasem em um asilo? Todas aquelas fraldas trocadas, o dinheiro árduo investido na educação dos mesmos, a abnegação, as tristezas, as felicidades, tudo o que passou com eles para depois ser "idoso" e ser colocado em uma casa de abandono? Permita, por favor, ser "severo aqui", pois um asilo, por mais que seja um casa com outros semelhantes, nunca será como a companhia dos filhos e netos.

Finalizando, querido irmão, sei que sua casa tem espaço limitado e que também sua renda mensal é pequena, mas quando você tinha filhos em casa, o mesmo não acontecia? Noutras palavras, quando seus filhos estavam crescendo, você também não vivia "apertado"? Ademais, seus pais não lutaram muito para lhe dar uma vida nas melhores condições que puderam? Então, por que agir com certo egoísmo neste momento? Cuide, precioso irmão, para não cair nas ciladas do pecado, o qual nos diz que o tempo de velhice é para "descansar e curtir a vida sem preocupação" - lembre-se que a melhor maneira de viver a vida é cumprindo a vontade de Deus e vivendo para Sua glória (1Co 10.31).

Assim, aqui me despeço, não ordenando ao irmão que não coloque seus pais no asilo (pois teríamos de conversar melhor), mas o levando a pensar sobre as consequências que isso pode ter, bem como se gostaria de ser tratado desta mesma maneira. Tenha em mente que Cristo deu Sua vida por Seu povo, não poupando esforços para os proteger e os guardar de todo o mal - e creio que todos nós devemos fazer o mesmo, afinal, "Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou" (1Jo 2.6).

Que o Senhor seja contigo e no que precisar, lembre-se que a igreja é o corpo de Cristo (Ef 1.22-23), de maneira que é mil vezes preferível "passar necessidade" e ser acudido pelos irmãos para ajudar os pais, cumprindo o bom dever de cuidar dos mesmos na velhice, a se livrar de "um problema" e ser tratado da mesma forma posteriormente. Recorde do santo dever que não acaba quando se completa 18 anos: "Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa" (Ef 6.2).

Um grande abraço e Cristo seja com tua casa

Filipe Machado

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Casei errado. E agora?


Tenho chorado. Literalmente. Leio comentários aqui no APENAS, no Facebook ou de pessoas que pedem meu e-mail e me escrevem contando suas histórias e pedindo conselhos – ou somente para desabafar. Alguns desses textos, confesso, me levam às lágrimas, simplesmente porque eu gostaria de responder uma coisa mas a Bíblia me diz que responda outra, que eu não quero responder. Mas é a frase de Atos dos Apóstolos: “Antes importa agradar a Deus do que aos homens”. Por isso, eu, como cristão, não posso aconselhar ninguém que não seja tomando por base as Sagradas Escrituras. E muitas vezes isso me dói ao ponto de a dor transbordar em lágrimas. “Mas, Zágari, do que você está falando?”. Querido irmão, querida irmã, estou falando de um assunto que tem lotado minha caixa de entrada de e-mails: cristãos infelizes no casamento. Cristãos que não amam seus cônjuges. Sim, isso existe e, pelo que tenho visto, numa proporção maior do que gostaríamos de admitir. Pressionados por suas igrejas, enganados por falsas profecias e “revelações”, acreditando que “construirão o amor com o tempo”, seduzidos pela ânsia de ter filhos, com medo de viverem sós, enfim, seja qual for a razão errada, milhares de milhares de servos sinceros de Deus estão entrando num matrimônio fadado à falência. Simplesmente porque se casam sem amor, o alicerce de um enlace matrimonial. Uma pessoa querida está vivendo esse problema e me pediu que escrevesse sobre isso. Mantenho tal pessoa no anonimato, mas aqui compartilho minha reflexão sobre pessoas que casam sem amor e o que fazer a partir daí.
Peço desculpas desde já pois este post é um pouco longo. Mas, pela seriedade do assunto, preciso abordar o tema com muito cuidado, tato, detalhamento e respeito às Escrituras. Pois muito do que será dito aqui pode entristecer pessoas e é fundamental que fique claro que estou baseando absolutamente tudo o que digo na Bíblia. Ou seja, se algo te entristecer, que não seja por achismos meus nem por uma má hermenêutica, mas pela compreensão de que a soberana e absoluta vontade de Deus corre muitas e muitas vezes o risco de contrariar o que seria mais cômodo para a minha e a sua vida. Respiremos fundo e vamos lá – tendo em mente o tempo inteiro as palavras do Cristo: “Então Jesus disse aos seus discípulos: ‘Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará’.”
Recentemente escrevi o post As razões de casamento e divórcio entre cristãos, com base numa enquete que mostrou que 19% dos cristãos que votaram não acham que o amor deve ser a causa principal de um matrimônio. Se você não o leu acesse o post e entenderá biblicamente por que o amor bíblico (de João 3.16) é a única razão que deve levar homem e mulher a firmar um compromisso de união pelo resto de suas vidas.  E, meu irmão, minha irmã, esse post fez chover testemunhos, inclusive um de uma pessoa próxima a mim, que amo e que não sabia que vivia esse problema. Assim, chorei.
Já tinha sentido o gosto do problema meses atrás, quando publiquei no APENAS um post chamado Solitários, carentes e infelizes, em que falo sobre as pessoas que se casam por N motivos errados e assim se condenam à infelicidade pelo resto de suas vidas, ao divórcio ou até mesmo a “soluções” mais drásticas. Na ocasião, a quantidade de depoimentos de pessoas que passam por isso e que vivem uma situação de solidão a dois me impressionou. Agora, com o novo texto do APENAS, a enxurrada só aumentou. Vou relatar alguns casos, mudando algumas informações, para preservar a identidade de quem me escreveu.
Recentemente, uma irmã entrou no espaço dos comentários e me pediu meu e-mail. Conversamos. E ela confessou que vivia tão infeliz no casamento que estava pensando seriamente em suicídio. Mãe, esposa, cristã e… suicida. Meu Deus… Tudo porque casou-se errado e hoje não suporta a mentira em que vive. Esse contato e o de tantas outras irmãs (geralmente quem escreve são mulheres, os homens simplesmente dão seu jeito e vão em frente) me fizeram voltar a refletir sobre o assunto e a escrever sobre ele. Pois praticamente todas(os) os que me escrevem terminam da mesma forma: “Estou miseravelmente infeliz. E o que faço agora?”
Vejamos um caso: “Eu não gostava tanto assim dele enquanto namorávamos, mas muitas pessoas da igreja me diziam que amor se constrói, que eu aprenderia a amá-lo. Afinal ele era um rapaz tão bom pra mim, espiritual, tinha um bom emprego, era um dos mais cobiçados da igreja”, contou uma das  irmãs. Curiosamente é uma coisa que tenho ouvido com alguma frequência: “Amor se constrói”. Não acredito nisso. Acredito que amor se mantém. Se preserva. Se alimenta. Mas… se constrói? Me soa muito estranho. Deus, que é amor, disse “Eu Sou”. O amor é. Ele não “pode vir a ser”. E todas as pessoas que entraram em roubadas matrimoniais acreditando que o tempo resolveria a falta de amor e que deixaram depoimentos nos comentários aqui do blog descobriram com o passar dos anos que o conto-de-fadas do amor que se constrói não passa de um conto da carochinha. Simplesmente porque não se pode construir algo do nada. Se não há amor no ponto de partida não haverá amor na linha de chegada. E a maratona será árdua.
Outra irmã desabafou: “Eu tive três filhos com ele ao longo de 15 anos de casamento. Olho para eles e, em vez de sorrir, eu choro, pois cada um deles tornou-se um memorial da minha infelicidade. Hoje em dia só de pensar em me deitar com meu marido me dá asco”, confessou-me com uma franqueza que me impactou e me entristeceu profundamente. Em vez de ter em seus filhos a lembrança de uma história de amor vê neles marcos de infelicidade e arrependimento. “Se fosse possível eu os empurraria de volta ao meu útero, só para não lembrar da minha tristeza que não passa e eu tenho que fingir para todos que não existe. Vivo um eterno teatro”, foi além essa mãe em seu desabafo. Detalhe: todas são palavras de uma cristã.
Outra pessoa querida, também serva de Deus, me confidenciou: “Não tive um ‘maurício’ para iluminar a mente e estou casada. E quando li o que você escreveu confirmei que meu casamento foi precipitado demais. Me sinto culpada e mal, já que tenho um filho que é meu amor. Casei sem amá-lo”, contou-me essa irmã. Mas ela prosseguiu em seu relato, que me cortou o coração: “Tudo errado, quero fugir! Achei que as qualidades dele fossem superar tudo e eu o amaria muito com o tempo. Exatamente como você escreveu, eu tinha medo de ficar sozinha… Tinha o sonho de ser mãe…”
E foi então que ela disparou a pergunta que eu não queria responder, e que todos os que estão vivendo essa situação fazem: “O que fazer agora??”. Ai. Vamos lá.
O que eu gostaria de responder? O que o mundo responderia: divorcie-se, vá buscar a sua felicidade. Mas não posso responder isso. Estou atado à Palavra revelada do Criador do universo. E tenho de responder conforme Ele nos ensina:
1. Deus odeia o divórcio. Isso está claro em Malaquias 2.16. Então o divórcio não é uma opção. Isso se confirma em Mateus 19: “Vieram a ele [Jesus] alguns fariseus e o experimentavam, perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? [Observe que aqui eles perguntam QUALQUER MOTIVO]. Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Replicaram-lhe: Por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar? Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio”.
Ou seja, Deus odeia o divórcio e, no principio, no estado perfeito das coisas, Deus não permitira o que o homem Moisés permitiu. Separação de um matrimônio é, portanto, algo antinatural aos olhos do Criador.
2. Um dos assuntos sobre os quais Jesus fala com mais clareza na Bíblia é sobre o divórcio. Simplesmente porque essa questão lhe foi perguntada diretamente. E a resposta dele é absolutamente clara, como consta em Mateus 19.9 em diante “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério e o que casar com a repudiada comete adultério”. Ou seja, embora Deus odeie o divórcio, Jesus abre uma única exceção – e não me pergunte por quê, eu não sei: relações sexuais ilícitas, ou, no original grego, “porneia”. Isso incluiria adultério, prostituição, sexo com animais ou qualquer outro tipo de desvio sexual. É a única exceção que encontramos no Novo Testamento.
Marcos 10 reconta essa passagem: “E, aproximando-se alguns fariseus, o experimentaram, perguntando-lhe: É lícito ao marido repudiar sua mulher? Ele lhes respondeu: Que vos ordenou Moisés? Tornaram eles: Moisés permitiu lavrar carta de divórcio e repudiar. Mas [observe o termo que a Bíblia usa: "Mas". Que significa "por outro lado", "todavia", "de forma diferente", "em oposição a", "em discordância a"] Jesus lhes disse: Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito esse mandamento; porém desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, deixará o homem a seu pai e mãe e unir-se-á a sua mulher, e, com sua mulher, serão os dois uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem [repare que a vontade do homem é nitidamente submissa à do Criador]. Em casa, voltaram os discípulos a interrogá-lo sobre este assunto. E ele lhes disse: Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra aquela. E, se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério”.
É bíblica a separação de corpos e o celibato?
Creio que está claro que o divórcio não é uma opção. Outra teoria alega que, se há infelicidade no casamento, o casal poderia separar-se mas manter-se solitário, sem novos relacionamentos e preservar-se celibatário. A esse respeito, no Sermão do Monte, em Mateus 5.31, o Mestre reafirma a posição celestial: “Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério”.  Repare com muita atenção o que Ele diz: se alguém repudia o cônjuge exceto pela “porneia” o expõe a se tornar adúltero. Então é nítido que essa separação proposta de corpos é uma porta de entrada ao adultério e aquele que optou pelo afastamento expõe o outro a adulterar. Logo, a teoria antibíblica de um casal rompendo o padrão original moldado por Deus no início e vivendo afastado tentando o celibato também é repudiada por aquele que, segundo João 1, participou da criação de todas as coisas.
Nesse ponto o adepto da ideia de que é possível separar-se desde que se mantenha o celibato e a solidão alega que Jesus disse que é permitido “manter-se eunuco” (ou seja, sem ter relações sexuais). Ou seja, segundo essa linha de pensamento, bastaria permanecer sem se casar e sem fazer sexo e isso garantiria a aprovação de Deus do seu divórcio (o que contraria a ordem original da união de um casal). Só que, aí, vamos à Bíblia e lemos na sequência de Mateus 19: “Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita”. Sim, Jesus diz que os celibatários existem. A questão é: onde aqui o celibato é justificado por “infelicidade no casamento”? “Por causa do reino dos céus” seria a justificativa? Não, pois essa é uma péssima hermenêutica.  O caso aqui, ao se comparar ao celibato de Paulo, por exemplo, é de abster-se de ter uma família para se dedicar às coisas de Deus. Não tem absolutamente nada a ver com um casamento mal-sucedido e quem usa essa passagem para tal faz violência às Escrituras.
Paulo, a partir de 1 Coríntios 7.11,  levanta novamente a questão do afastamento: “Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido, (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher”.  Aqui alguém poderia vibrar: uma brecha em tudo o que a Bíblia disse até agora! Calma. Não é bem assim. Leia com atenção: o apóstolo diz que o Senhor ORDENA que o cônjuge não se separe do outro. Ponto. Incontestável e completamente de acordo com o resto das Escrituras. Mas… ele continua entre parênteses, ou seja, fazendo um adendo ao que é absoluto: “Se, porém, ela vier a separar-se”. Quando lemos que Deus ORDENA que não se separe mas em seguida vemos “se, porém, ela vier a separar-se”, o que fica claro para quem lê com olhos imparciais?
Desobediência.
Ou seja: se o cônjuge desobedece a ordem de Deus e persiste no seu intento de separar-se, vejamos o que é dito: “que não se case ou que se reconcilie com seu marido”. O que se entende disso? Que se a pessoa desobedeceu o Criador e fez o que Ele proibiu, que, no mínimo, para minimizar o estrago, não se case. Ou que faça o que Deus deseja: se reconcilie com o cônjuge. Tanto que Paulo orienta o repudiado a não se afastar de quem se afastou dele. E por que ele diria isso? Para que haja a reconciliação. Veja que essa passagem, usadíssima para justificar a separação de corpos e de vidas entre casais infelizes, mostra que Deus ordena (pense no peso dessa palavra) que não haja separação, mostra que os desobedientes não devem se casar e que o correto é a reconciliação, a ponto de dizer ao repudiado, parafraseando: “Se você foi abandonado, não parta para outra, permaneça perto de quem te abandonou, com vistas à reconciliação.
Resumo da ópera: se alguém peca (desobedece a ordem de Deus) e se afasta do cônjuge, mesmo “que não se case”, isso não deixa de constituir pecado. E a solução para esse pecado é voltar para casa. Divórcio, logo, Deus odeia e é pecado.
3. Jesus manda perdoar 70 vezes 7, ou seja, mesmo que haja relações sexuais ilícitas, o perdão do cônjuge e a tentativa de reconciliação devem ser sempre a primeira alternativa.
E aí? O que fazer?
Ou seja: em momento nenhum da Bíblia a “falta de amor” ou a “infelicidade” dão base para uma separação. Duro. Mas verdadeiro.  E aí retornamos à pergunta da irmã: “O que fazer agora??”. E é aqui que eu gostaria de sair correndo, de me esconder. Pois as respostas são difíceis de se ouvir. Mas lá vou eu encarar a Bíblia, correndo o risco de ser chamado de legalista, fariseu, biblicista ou de não ter graça no coração – como já me acusaram algumas vezes porque eu digo o que a Bíblia diz e não o que as pessoas querem ouvir.
Fato é que se a pessoa vive um casamento infeliz, o que ela deve fazer é pedir de Deus um milagre. Pela Bíblia, não há outra resposta.
A boa noticia é que Deus faz milagres. E, nesse caso, o milagre seria a paz de Cristo tomar conta do casal a ponto de conseguirem, se não em amor pleno, viver em harmonia, respeito, companheirismo e outras virtudes. Dois grandes amigos compartilhando uma vida. Eu sei, muitos vão discordar, que voem as pedras – afinal vivemos numa civilização hedonista, onde o prazer e a alegria são os fatores mais importantes do ser humano, superando em muito a obediência a Deus. Só que cumprir o querer de Deus deve ser o primordial em nossas vidas, antes de qualquer benefício pessoal – afinal, fomos criados para a Sua glória e não para o nosso bem-estar e prazer.
Não vejo absolutamente nenhuma base bíblica que mostre que Deus constrói amor onde ele não existe. Se houver, por favor me mostrem, pois revirei as Escrituras ao avesso, li sobre o assunto de diversas fontes e não encontrei. Nem que fosse um único versículo que diga que por fazer uma corrente de sete semanas você passará a amar subitamente o marido que não ama. Isso simplesmente não está na Bíblia. E, por favor, não cometa erros hermenêuticos como “tudo posso naquele que me fortalece”. Não tire textos do contexto para tentar justificar o injustificável. Por isso falei em milagre.
Deus abriu o mar? Abriu o Jordão? Parou o Sol? Curou cegos, leprosos e paralíticos? Então o soberano Deus pode fazer o que bem quiser. E, pela subversão da ordem natural das coisas (que chamamos “milagre”) é capaz de transformar água em vinho. Mas para isso é preciso que haja água. Para ressuscitar um morto é necessário que antes houvesse vida. Para fazer um casamento frutificar é preciso que antes tenha havido amor. Aí Deus entra, conserta as rachaduras, desempena as portas, costura as cortinas e o Sol volta a brilhar. Mas se o casamento ocorreu sem amor, por qualquer razão errada… Aí só um milagre. E milagres não acontecem todos os dias.
Essa, minha irmã, meu irmão, é a realidade. Deus nos permite escolher com quem casar. A escolha é SUA. Se escolher pelos motivos errados, biblicamente terá de colher o que plantou: falta de amor. Triste sim. Mas não posso mentir a você para deixá-la  mais sorridente. Perceba: se você, por decisão própria, um dia decepar uma de suas pernas, não espere que Deus vai fazer brotar outra nova no lugar. Ele poderia fazer esse  milagre? Poderia fazer surgir uma perna nova? Claro! Ele pode tudo! A pergunta é: quantas vezes você já viu ou ouviu falar que o Senhor fez isso? Eu não conheço nem nunca soube de nenhum caso concreto. Assim, com que frequência Deus faria o milagre de fazer brotar amor onde ele nunca houve? Pode acontecer? Sim. É provável? Aí já é discutível.
Preparado para ouvir a realidade? O que é bíblico? Então vamos lá: se você decepar sua perna, as chances são que você tenha de viver o resto da vida sem ela, suportando a situação, dependente de uma muleta ou de uma cadeira de rodas. É triste, é difícil, eu não gostaria de te dizer isso. De igual modo, se você casou sem amor, as chances são que você tenha de viver o resto da vida num casamento sem amor, suportando a situação, dependente da força de Deus e do fruto do Espírito. É triste, é difícil, eu não gostaria de te dizer isso.
Mas é a verdade.
Este sem dúvida é o post mais difícil que já escrevi. Pois sempre que escrevo, procuro encaixar o texto na tríade de funções da profecia: exortação, consolo ou edificação.  Mas não consigo encaixar este em nenhuma das três categorias. É um post sobre a soberania e a vontade de Deus (que é boa, perfeita e agradável), sempre sob a sombra da graça. Resta a todos os irmãos e as irmãs que estão enfrentando o deserto de um casamento sem amor olhar para Deus, Sua graça e Sua misericórdia e falar como Jó, que no momento de maior desespero e angustia adorou o Todo-Poderoso e disse: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!”. Isto é: seja feita a vontade do Altíssimo, assim na terra como no Céu. Romanos 9.14 afirma: “Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum!”. Bendito seja o nome do Senhor. E, como em tudo devemos dar graças, mesmo na tribulação o faremos.
Caminho para o fim deste difícil post com um peso sobre as costas, mas com mais uma passagem bíblica. Na sequência da explanação de Jesus sobre o porquê de Ele estar subvertendo o que Moisés estipulou humanamente, em Mateus 19, os discípulos mostram que a resposta do Mestre os deixou bem desconfortáveis, para não dizer revoltados. Como muitos leitores devem estar se sentindo. Pois os discípulos (e talvez você) certamente queriam que o Senhor viesse com alguma fórmula mágica que resolvesse os casamentos infelizes, que fosse tiro e queda, bate-pronto e, assim, desse um jeito de validar o divórcio e resolver num estalar de dedos os problemas de milhares de pessoas que vivem um matrimônio em que não gostariam de estar. Por isso, eles peitam Jesus, no versículo 10: “Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar”. E aí, perdoem-me os que consideram os argumentos aqui apresentados legalistas (detalhe: só expus argumentos do Novo Testamento), mas concluo não com a Lei, mas com as palavras do próprio Cristo  (que, acredito eu, não era legalista) no versículo 11. Palavras que não dão uma resposta fácil, rápida e pronta, mas sim a que conveio a Deus. Não me culpem, por favor. Apenas reproduzo o que o Criador do Universo disse: “Jesus, porém, lhes respondeu: Nem todos são aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado”.
Oro a Deus por cada irmão e irmã que vive um casamento infeliz. Oro com toda a minha alma, com dor no coração e cheio de solidariedade e carinho. E peço para esses um milagre. Peço consolo. Peço restauração e uma vida de abundância em Cristo. Peço graça. Que suas famílias sejam abençoadas. Também deixo um alerta aos solteiros: NÃO SE CASEM SEM AMOR. Não se casem sem o amor sacrificial de João 3.16. Para que não venham a sofrer no futuro. Aos que já sofrem, oro ao Deus do impossível que sare suas feridas. Que os faça felizes apesar dessa dificuldade. E que lhes traga a paz que excede todo o entendimento.
Paz. Como precisamos dela. Por isso desejo paz também a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari 
Blog: Apenas1
http://apenas1.wordpress.com/2012/04/08/casei-errado-e-agora/

domingo, 1 de junho de 2014

A Alma Católica dos Evangélicos no Brasil


Os evangélicos no Brasil nunca conseguiram se livrar totalmente da influência do Catolicismo Romano. Por séculos, o Catolicismo formou a mentalidade brasileira, a sua maneira de ver o mundo ("cosmovisão"). O crescimento do número de evangélicos no Brasil é cada vez maior – segundo o IBGE, seremos 40 milhões esse ano de 2006 – mas há várias evidências de que boa parte dos evangélicos não tem conseguido se livrar da herança católica.
É um fato que conversão verdadeira (arrependimento e fé) implica numa mudança espiritual e moral, mas não significa necessariamente uma mudança na maneira como a pessoa vê o mundo. Alguém pode ter sido regenerado pelo Espírito e ainda continuar, por um tempo, a enxergar as coisas com os pressupostos antigos. É o caso dos crentes de Corinto, por exemplo. Alguns deles haviam sido impuros, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e roubadores. Todavia, haviam sido lavados, santificados e justificados "em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus" (1Co 6.9-11) sem que isso significasse que uma mudança completa de mentalidade houvesse ocorrido com eles. Na primeira carta que lhes escreve, Paulo revela duas áreas em que eles continuavam a agir como pagãos: na maneira grega dicotômica de ver o mundo dividido em matéria e espírito (que dificultava a aceitação entre eles das relações sexuais no casamento e a ressurreição física dos mortos – capítulos 7 e 15) e o culto à personalidade mantido para com os filósofos gregos (que logo os levou à formar partidos na igreja em torno de Paulo, Pedro, Apolo e mesmo o próprio Cristo – capítulos 1 a 4). Eles eram cristãos, mas com a alma grega pagã.

Da mesma forma, creio que grande parte dos evangélicos no Brasil tem a alma católica. Antes de passar às argumentações, preciso esclarecer um ponto. Todas as tendências que eu identifico entre os evangélicos como sendo herança católica, no fundo, antes de serem católicas, são realmente tendências da nossa natureza humana decaída, corrompida e manchada pelo pecado, que se manifestam em todos os lugares, em todos os sistemas e não somente no Catolicismo. Como disse o reformado R. Hooykas, famoso historiador da ciência, “no fundo, somos todos romanos” (Philosophia Liberta, 1957). Todavia, alguns sistemas são mais vulneráveis a essas tendências e as absorveram mais que outros, como penso que é o caso com o Catolicismo no Brasil. E que tendências são essas?

1) O gosto por bispos e apóstolos – Na Igreja Católica, o sistema papal impõe a autoridade de um único homem sobre todo o povo. A distinção entre clérigos (padres, bispos, cardeais e o papa) e leigos (o povo comum) coloca os sacerdotes católicos em um nível acima das pessoas normais, como se fossem revestidos de uma autoridade, um carisma, uma espiritualidade inacessível, que provoca a admiração e o espanto da gente comum, infundindo respeito e veneração. Há um gosto na alma brasileira por bispos, catedrais, pompas, rituais. Só assim consigo entender a aceitação generalizada por parte dos próprios evangélicos de bispos e apóstolos auto-nomeados, mesmo após Lutero ter rasgado a bula papal que o excomungava e queimá-la na fogueira. A doutrina reformada do sacerdócio universal dos crentes e a abolição da distinção entre clérigos e leigos ainda não permearam a cosmovisão dos evangélicos no Brasil, com poucas exceções.

2) A idéia que pastores são mediadores entre Deus e os homens – No Catolicismo, a Igreja é mediadora entre Deus e os homens e transmite a graça divina mediante os sacramentos, as indulgências, as orações. Os sacerdotes católicos são vistos como aqueles através de quem essa graça é concedida, pois são eles que, com as suas palavras, transformam, na Missa, o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo; que aplicam a água benta no batismo para remissão de pecados; que ouvem a confissão do povo e pronunciam o perdão de pecados. Essa mentalidade de mediação humana passou para os evangélicos, com algumas poucas mudanças. Até nas igrejas chamadas históricas os crentes brasileiros agem como se a oração do pastor fosse mais poderosa do que a deles, e que os pastores funcionam como mediadores entre eles e os favores divinos. Esse ranço do Catolicismo vem sendo cada vez mais explorado por setores neopentecostais do evangelicalismo, a julgar por práticas já assimiladas como “a oração dos 318 homens de Deus”, “a prece poderosa do bispo tal”, “a oração da irmã fulana, que é profetisa”, etc.

3) O misticismo supersticioso no apego a objetos sagrados
 – O Catolicismo no Brasil, por sua vez influenciado pelas religiões afro-brasileiras, semeou misticismo e superstição durante séculos na alma brasileira: milagres de santos, uso de relíquias, aparições de Cristo e de Maria, objetos ungidos e santificados, água benta, entre outros. Hoje, há um crescimento espantoso entre setores evangélicos do uso de copo d’água, rosa ungida, sal grosso, pulseiras abençoadas, pentes santos do kit de beleza da rainha Ester, peças de roupa de entes queridos, oração no monte, no vale; óleos de oliveiras de Jerusalém, água do Jordão, sal do Vale do Sal, trombetas de Gideão (distribuídas em profusão), o cajado de Moisés... é infindável e sem limites a imaginação dos líderes e a credulidade do povo. Esse fenômeno só pode se explicado, ao meu ver, por um gosto intrínseco pelo misticismo impresso na alma católica dos evangélicos.

4) A separação entre sagrado e profano – No centro do pensamento católico existe a distinção entre natureza e graça idealizada e defendida por Tomás de Aquino, um dos mais importantes teólogos da Igreja Católica. Na prática, isso significou a aceitação de duas realidades co-existentes, antagônicas e freqüentemente irreconciliáveis: o sagrado, substanciado na Santa Igreja, e o profano, que é tudo o mais no mundo lá fora. Os brasileiros aprenderam durante séculos a não misturar as coisas: sagrado é aquilo que a gente vai fazer na Igreja: assistir Missa e se confessar. O profano – meu trabalho, meus estudos, as ciências – permanece intocado pelos pressupostos cristãos, separado de forma estanque. É a mesma atitude dos evangélicos. Falta-nos uma mentalidade que integre a fé às demais áreas da vida, conforme a visão bíblica de que tudo é sagrado. Por exemplo, na área da educação, temos por séculos deixado que a mentalidade humanista secularizada, permeada de pressupostos anticristãos, eduque os nossos filhos, do ensino fundamental até o superior, com algumas exceções. Em outros países os evangélicos têm tido mais sucesso em manter instituições de ensino que além de serem tão competentes como as outras, oferecem uma visão de mundo, de ciência, de tecnologia e da história oriunda de pressupostos cristãos. Numa cultura permeada pela idéia de que o sagrado e profano, a religião e o mundo, são dois reinos distintos e frequentemente antagônicos, não há como uma visão integral surgir e prevalecer a não ser por uma profunda reforma de mentalidade entre os evangélicos.

5) Somente pecados sexuais são realmente graves  A distinção entre pecados mortais e veniais feita pelo romanismo católico vem permeando a ética brasileira há séculos. Segundo essa distinção, pecados considerados mortais privam a alma da graça salvadora e condenam ao inferno, enquanto que os veniais, como o nome já indica, são mais leves e merecem somente castigos temporais. A nossa cultura se encarregou de preencher as listas dos mortais e dos veniais. Dessa forma, enquanto se pode aceitar a “mentirinha”, o jeitinho, o tirar vantagem, a maledicência, etc., o adultério se tornou imperdoável. Lula foi reeleito cercado de acusações de corrupção. Mas, se tivesse ocorrido uma denúncia de escândalo sexual, tenho dúvidas de que teria sido reeleito, ou que teria sido reeleito por uma margem tão grande. Nas igrejas evangélicas – onde se sabe pela Bíblia que todo pecado é odioso e que quem guarda toda a lei de Deus e quebra um só mandamento é culpado de todos – é raro que alguém seja disciplinado, corrigido, admoestado, destituído ou despojado por pecados como mentira, preguiça, orgulho, vaidade, maledicência, entre outros. As disciplinas eclesiásticas acontecem via de regra por pecados de natureza sexual, como adultério, prostituição, fornicação, adição à pornografia, homossexualismo, etc., embora até mesmo esses estão sendo cada vez mais aceitáveis aos olhos evangélicos. Mais um resquício de catolicismo na alma dos evangélicos?
O que é mais surpreendente é que os evangélicos no Brasil estão entre os mais anti-católicos do mundo. Só para ilustrar (e sem entrar no mérito dessa polêmica) o Brasil é um dos poucos países onde convertidos do catolicismo são rebatizados nas igrejas evangélicas. O anti-catolicismo brasileiro, todavia, se concentrou apenas na questão das imagens e de Maria, e em questões éticas como não fumar, não beber e não dançar. Não foi e não é profundo o suficiente para fazer uma crítica mais completa de outros pontos que, por anos, vêm moldando a mentalidade do brasileiro, como mencionei acima. Além de uma conversão dos ídolos e de Maria a Cristo, os brasileiros evangélicos precisam de conversão na mentalidade, na maneira de ver o mundo. Temos de trazer cativo a Cristo todo pensamento e não somente os nossos pecados. Nossa cosmovisão precisa também de conversão (2Coríntios 10.4-5).

Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais católicas de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas, me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neo-catolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma católica.